sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

NOITE SERENA


Solto suspiro no incerto do tempo
Voa o pensamento na procura da lembrança
Pequenos olhos, frágeis e ternas mãos
O mundo preso no coração de uma criança

Na noite tudo se perde
Mora a sombra, o desvario
A emoção sobe sempre mais alto
Quando o querer tem a força de um rio

Pés descalços, uma janela virada para o mar
E a tempestade desatina na deserta rua
Tremelicam as luzes na cortina de chuva
Uma casa sem pão, sem calor, nua

Tanjem os sinos na altaneira torre
Cabeças tapadas a véu
Vai nascer o Jesus Menino
Hoje a ilha está mais perto de céu

Hoje o incenso crepitará no lume
A água benzida e santificada
Os cânticos de louvor ecoarão
Não tarda não se ouvirá mais nada

E esta janela meu Deus
E este bravio mar de furiosas vagas
E este saber de tão vago entender
E esta frágil vida gerada de mágoas

E corre a noite, adormece a casa
Na minha cabeça um afago de mão
Fecho os olhos por um instante
No espanto abertos por um clarão

Um formoso menino estava mesmo alí
Tocou de leve o lado esquerdo do meu peito
Olhou-me com um luminoso sorriso
Deixou-me sem fala, sem jeito

Deixou-me no apagar de uma vela
Olhei novamente o mar
A calmaria voltou como por encanto
Mil criaturas inundaram-me o olhar

Golfinhos felizes assobiaram
A cria de uma baleia acenou-me
Uma andorinha do mar poisou no parapeito da janela
Uma maravilhosa e antiga história sussurou-me

As estrelas brilharam no celeste
A Lua estendeu seu manto de fino luar nesta cena
Adormeci na imensidão deste mundo
No embalo de...Uma Noite Serena...

domingo, 13 de dezembro de 2009

CHÃO DE ÁGUA


À volta desta fogueira
Aquecem os corações, almas penadas
À volta desta fogueira ninguém foge
Todos contam lendas de pessoas encantadas

Todos rezam, todos pedem
Que desça o céu à terra
Todos falam de um anjo
Que travou uma santa guerra

Manto de água, mundo verde
Manhãs de sol posto no céu
Às vezes a luz perde-se na noite
À vezes um coração veste um negro véu

Passam os dias, um a um
O tempo marca o compasso do querer
Onde mora a saudade perdida?
Para onde viaja o sonho ao morrer?

Para onde viajam os sonhos pobres?
Para o mesmo céu dos ricos desejos?
Um homem caído interrompe o viver
No levantar renova os seus ansejos

Que mundo este!
Na medida do ouro se mede a criatura
Quanto vale a verdade da palavra sincera
Qua habita numa alma pura?

Interroguei as minhas interrogações
Questionei a minha zanga e ventura
Descansei nesta batalha de contradição
Abri os braços na espera da ternura

Na espera construí um castelo no ar
Areia feita de basalto é de negra cor
Tal como o xaile da mulher da ilha
Feito num tear de amor e dor

Este mar, este vento abafa uma oração
Esta terra fecunda e prenhe de esperança
Esta tempestade que às vezes assola o meu querer
Tem na recordação os dias de bonança

Este dia cinzento e frio
Inundou de humido orvalho a minha pena
Mas o poeta sempre sente mais no triste
Sempre eleva uma alma pequena

Sobe ao infinito do sentimento
Abafa a dor esconde a mágoa
Hoje percorri a ilha descalço
Passo a passo, pisei...Este chão de água...

sábado, 5 de dezembro de 2009

O FEITICEIRO DO VENTO


Sopro esta brisa que percorre as cumeeiras
E arrasto comigo este denso e frio nevoeiro
A noite envolve-me em seu escuro manto
Um milhafre soltou um grito derradeiro

O fogo surgiu do nada
A chama da paixão lambeu uma pedinte mão
Que levou o calor tatuado, abrasador a outra
Duas mãos postas, apontam ao divino uma oração

Na calada da noite despertam os sons
Mil olhos são estrelas na terra
O feitiço da Lua envolve os amantes
O amor tem como pano de fundo doce quimera

Asas são gaiola aberta na liberdade
Agrilhoados são os que ficam na espera
Absinto para os amantes eternos
Cristal voando, chama consumindo a pura cera

Voo de perpétua viagem
A ilha é Universo primeiro
A noite acolhe-me em suas asas
Sou feito de feitiço derradeiro

Vejo, vi tanta criatura a andar no meu caminho
Não vislumbrei o rumo do seu encontro
Um sorriso de profunda bondade tocou-me a alma
O meu ficar no ir faz de mim o outro

Que transforma o sonho em palavra
Mistura as cores com mantra de alquimia
Dança para afugentar a negra magia
Abre os braços ao Sol aprisionando um novo dia

Sou um cantador de notas dissidentes da pauta
A espera das cordas do afago dos dedos
Uma viola de dois corações
O embalo de barco na baía de todos os medos

Sou, serei uma breve história
Uma comédia traçada em poção de Druída
Às vezes um areal de imensa contradição
Outras apenas uma invenção gerada do nada

Bruxo, Curandeiro, protector das almas
Um homem em luta eterna com o tempo
Abri os braços a esta tempestade da alma
Pela brisa da noite fui autorgado...Feiticeiro do Vento...