quinta-feira, 26 de março de 2015

OS ILUMINADOS


Ás vezes tento inventar a vida
No silêncio de um crepúsculo lento
No vazio de um punho cerrado
Ás vezes no absoluto pensamento

Corto o ar a navalha refulgente
Cativo risos de um passado de memória louca
Despedaçando o peito da esperança
As folhas de amargo verde espalhadas na boca

Na memória do meu barco
Pancadas secas, estremecem meu corpo
Uma mulher de boca calada indicando um ninho
Um molho de olhos ardidos perdidos ao destino

Ás vezes encho a vida de água e vento
Queimo o papel das mais secretas memórias
Como brasas que torneiam a carne dorida
Construo casas, desenho histórias

Insano este tempo que me fala de nevoeiros
Ansiosos sentires percorrendo canais lentos do amor
Ás vezes as pessoas vêm até nós para violentarem palavras
Não vale tocar os contornos da vida com gestos de dor

Não vale esmagar o que ontem brotava de um peito
Renunciei á voz da penumbra, ao universo das sombras
Sou como um Milhafre e não morremos de solidão
Sou grão de areia de uma maré brilhante, instante tatuado num chão

Nunca estive preparado para alguns amanheceres
Como arbusto inquieto, como pássaro da cor Primavera
Como música forjada a Sol e arrefecida a sal do Mar
Como silêncio carregando o ruído em santa guerra

Meu Deus, Azna...
Peço orientação divina aos Arquétipos todos os dias
Com o coração queimado correndo na busca de um sonho
Como criança jogando na lama ao meio dia do suor de Outono

De mão assustada desprendo esta tarde sombria
Percorri tanta vez a rua dos mal fadados
E com o vento e a música procurando um porto
Pensei hoje se serei um louco, ou um dos felizes...Iluminados...

quinta-feira, 19 de março de 2015

ÁS VEZES SAIO DE MIM


Hoje ordenei aos Anjos a companhia
Sinto-me tão estranho por estes tempos
Hoje senti uma morna e terna luz descer
Sinto-me caminhar, fecho os olhos para melhor ver

Procuro nesta imensidão
Este Mar, estrelas sem conta, universos
Escrevo palavras, como quem desenha mapas do amor
Escrevo sentires tamanhos...

São tão breves as rosas de Maio
É tão breve a chegada da manhã
É tão breve a chegada longínqua de uma onda
São tão breves as paixões na palavra vã

É eterno ser Pai...!
Hoje é o dia em que sou mais lembrado aos meus meninos
Hoje é o dia em que me arroxa o coração
É assim: sou Pai do Marco, Miguel e João

Foram tempos difíceis, sei
Meu Deus como lutei...!
Foram doridos os passos na vossa direção
Não ousei adormecer, morrer, ao cuidar, proteger, amei

Amo-vos aos três á minha maneira
Talvez não tenha sido o melhor e perfeito Pai
Talvez não tenha sido o melhor Homem do mundo no vosso orgulho
Mas povoei a minha alma de verdade neste gostar mudo

Sabem?
Não brinquei, passei ao lado de ser criança
Sabem?!
Quis uma família, nos três plantei a esperança

Por estes tempos desfaleci, contive lágrimas, mordi saudades
Procurei chamamentos no meu silêncio
Atravessei desertos do meu descontentamento
Nunca me afastei dos tês, nem por um momento

E porque parei aqui junto ao Mar no espanto de um céu azul
Olhei este horizonte que vos indiquei sem ter fim
Hoje é hoje, mais um dia em que vos aconchego á alma
Porque para unir o que Deus me deu... ÁS VEZES SAIO DE MIM...

sexta-feira, 13 de março de 2015

AS MARGENS DO SILÊNCIO


Onde as palavras são mais profundas
Há um coração que pulsa, bate
Preciso construir o dia, um novo dia
Preciso apartar dores deste coração que arde

Preciso devastar a agonia presente
Preciso que a alma não cale o que o coração consente
Este homem já atravessou montanhas, fez um filho
Este homem voa e deixa no mundo tanto presente

Já são vagos os ventos de Outono
Como folhas por escrever jogadas ao silêncio
Serei um fugitivo perdido ao segredo?
O importante é não ter pena nem medo

Hoje não houve pássaros para morder o verde
Será branco a cor do perdão
Esta noite cansada, resistindo ao dia
Esta sorte danada que ao final morria

Então descobrimos que as lágrimas não rasgam horizontes
Que as montanhas não são fáceis de esconder
Que uma ave abre espaços na Primavera
Que ás vezes quero ter, outras não quero ver

E vivemos apertados da alma na paisagem mística dos Milhafres
E vivemos uma saudade tão vazia
Como a caricia serena que nos separa da solidão
E no chamamento ao fugidio amor, atiramos todos os dedos de uma mão

E somos vagabundo esquivo numa esquina da vida
Insultamos os noctívagos pássaros loucos
E com palavras recortadas de bruma
Lançamos rezas ao sal da espuma

Um pássaro risca palavras no céu
Os olhos manietando-se na sombra escura
Um desgosto disfarçado de inquietude e revolta
Uma pedra de basalto negro que no tempo dura

As mãos apeteciam um corpo quente e macio
Este poeta nasceu da maresia das manhãs
Viverei para te amar vidas, um milénio
E plantarei saudades nas... MARGENS DO SILÊNCIO

sexta-feira, 6 de março de 2015

UM PÁSSARO NA MADRUGADA


Uma densa e estranha calmaria invadiu a ilha
Uma rosa breve despontou do verde
Uma cantoria de ave marias inundou-nos a alma
Uma singela saudade ateou-me a chama

Alegria desceu do azul
Já não pranteia este céu de frio Inverno
Há um espaço intermédio entre duas almas
Há nos dias felizes uma promessa do eterno

E há Deus e as divindades
Um mar onde se plantam mil saudades
E há o começo do desenho das memórias
Um lençol branco impregnado de verdades

E há uma menina do Mar
E há mar sempre que acorda a ilha
E há uma melodia em cada silêncio
E há quem diga que nasci com o dom da maravilha

Há também os que me olham de soslaio
Há sempre alguém que nos diz tem cuidado
Há sempre uma espera mesmo no fim da estrada
Há sempre alguém que diz tudo ou quase nada

Tudo isso pensei ao ver uma gaivota poisada em terra
Até pensei ser guerreiro em santa guerra
E porque só tinha espada e escudo de lata
Escrevi na areia a palavra quimera

Grande poeta!
Até metes nojo de tanta rima certa
Não te falta tinta nessa caneta usada e gasta
Deixa lá, há quem já tenha dito, cala-te, basta!

De joelhos se pagam promessas a Cristo
Que olhos, que fé tem esta nossa gente
Quando todas as forças nos faltam
Há um Anjo que nos ampara e diz presente

Serei romeiro em romarias de palavras
Demiurgo de caminhadas inventadas
Rei, mendigo sem castelo ou abrigo
Ou apenas um simples homem que a ternura quer consigo

Que importa, hoje é hoje
O Começo de todos os outros dias
E porque senti-me de alma e fé cansada
Sorri no canto ...UM PÁSSARO NA MADRUGADA...