sexta-feira, 24 de junho de 2016

SOBRE O ROSTO


Rente aos olhos a água
Orvalhada manhã sem dor
Rente aos olhos o gume do espinho
Rente à pele o amor, o teu passar

Rente ao homem
Olhos cansados, dedos doridos
Sono infinito, canteiros vazios
Tanta pena, dois palmos do dia um poema

Papel sem palavras
Estou cansado deste inverno
Do trevo sem sorte, das danças macabras
Da demora da morte, das palavras sem sentido

Enquanto o tempo não anda na ilha
Sou o homem mais impuro
Estou cansado das facas nas rochas
Forjando a maldade no negro futuro

Estou cansado dos homens
De dentes cravados ao coração
Estou tão cansado de te abrir os braços ao abraço
De te pedir amor como quem pede pão

Na primavera não há pardais viúvos
Nunca me encobri com o calor da tristeza
Quem sou?
A presença de um nome, rosa deus, a pobreza

Um pintor...
Um ator sem guião nem palco
Um rei de coroa de lata
Um barco sem nome, um pássaro solto

Mas há uma cidade a construir-se dentro de mim
Bela como um jardim abandonado
Com pássaros voando na sombra da palavra
Contigo abraçar-me e dizer a maldade basta!

Hoje quero lembrar quem me amou
Quem me cantou no adormecer do sol posto
Hoje quero apenas lembrar-te cintilante estrela
Com a luz do amor...SOBRE O ROSTO...

1 comentário:

Ana Bailune disse...

Foi lindo entrar aqui, escutar esta música e ler este poema. Obrigada.